quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Insana Lucidez

Lucidez demais é loucura. Impossível suportar por muito tempo. Mais uma vez estamos em torno de ciclos, círculos. As extremidades se tocam, não se sabe exatamente onde. O pêndulo não balança, apenas gira completamente. O que é a super-visão, a total compreensão, além de uma grave patologia? Tudo suficientemente claro afeta a visão tanto quanto a escuridão. O que é mais óbvio, mais evidente, mais incontestável, pode ser simplesmente o mais absurdo, inconcebível, tolo, ilusório. Subir um pouco mais ao cimo do monte, sair brevemente da caverna de Platão é como uma insônia. É como estar acordado duas vezes. Isso deslumbra ao mesmo tempo em que dói e angustia. Corta o peito e rasga a alma de cima a baixo, como num golpe se rasga o véu do templo. Quanto mais alto se sobe, mais se quer atirar lá de cima. Quanto mais claro se vê, mais se quer mergulhar na mais profunda e eterna escuridão. Contraditoriamente, o desejo impele para o alto, para a luz. E esse desejo move o mundo. Viver é estar doente buscando uma cura que se sabe, muitas vezes, que não será encontrada. Subir a colina, acender a tocha, seguir a luz, não é buscar a imortalidade, não é fugir da morte. Viver é caminhar em direção ao abismo. Lucidez é saber que ao chegar lá teremos que pular. E quanto mais se tentar evitar o salto, mais decrépitos ficamos para amenizar o impacto. Quanto mais cedo, menor a dor. Nunca se deve adiar, quando muito, antecipar. Mas calma lá! Antes que me apedrejem ou me queiram crucificar. Não sou eu o portador desse super-poder-patologia-desvio! Não me dou esse direito-dever. Minha missão aqui é apenas divulgar/divagar devagar/devanear, além, é claro, de continuar em direção ao meu próprio abismo (sabendo ou não onde ele está).

sábado, 5 de dezembro de 2009

Vá!

Vá em frente, faça
Faça agora, não depois
Amanhã o porvir
Pode não vir

Seja mesquinho, egoísta
Mas seja inteiro
Não viva pela metade
Pois a morte é completa

Cometa os mesmos erros
Peque e pague
Não corrija os tolos
Pois loucos são loucos

Beba e cuspa paixão
Escarneie com amor
Às favas as mágoas
Aos porcos as virtudes

Rasgue suas chances
Coma os pedaços
Fuja, negue, consinta
Renda-se à sua fraqueza

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Explodindo

Sou a bala no revólver
Esperando o gatilho
E estou pronto pra explodir
E estou pronto pra voar

Não sei o que é paz
Eu sou o filho do fogo
Nasço e queimo até morrer
E acendo-me de novo
Morrendo todo dia
Renascendo no escuro
Indo e voltando no tempo
O meu passado é futuro

Sou a bala no revólver
Esperando o gatilho
E estou pronto pra explodir
E estou pronto pra voar

Agora eu posso voar
Depois sou cinza no chão
Em mil pedaços em vou
Juntar os cacos então
Nascendo dos escombros
Não sou o mesmo, eu sei
Sou todo e parte do todo
Metade do que serei

Sou a bala no revólver
Esperando o gatilho
E estou pronto pra explodir
E estou pronto pra voar

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Fim de Domingo

Meus passos marcados, meus traços riscados
Não são apagados pelo sutil farfalhar das folhas ao vento.
Mas minhas certezas são pulverizadas
Por teu breve e suave alento.


(Esses versos saíram de improviso e não foram anotados por mim. Mas como foram resgatados de forma singular e inesperada resolvi derramá-los aqui, como forma de agradecer a quem os salvou.)

domingo, 22 de novembro de 2009

Eu Não Sou

Eu não sou
Eu já fui
Inda vou
Estou aqui no ocaso
Com a certeza do atraso

Agora sei
Passei e ainda passo
Vou, vôo, vejo e disfarço
Em cores e rubores evidentes
Momentos em que compondo desfaço
Estou pleno, certo e excesso
Do mais profundo e extenso nada

Estou só
Estou solidão
Completo, vazio e vão

Agora sei
Sei que não vivo
Sei que não morro
Sei que não tenho nenhuma essência
Flatando razão
Cuspindo demência
Suado e ofegante desfecho alegrias
Escarneço da existência

Agora sei
Sentimentos opulentos
Transbordantes
Paixão, coração, razão, afeição
Ilusões
Mergulho, afundo, afogo
Respiro
Nego, controlo, desvio
Há tanta dor
Desvario

Agora sim
Abro os braços ao infinito
Quero ver o final
Permito
Frugores, amores, temores
Despejo, descrevo
Listo substantivos
Adjetivos são fúteis
Conexões, sentidos
Inúteis

Não sou
Onde passo
Onde penso
Não me convenço

Agora não
Eu sei
Eu não sinto
Mas não minto
Mesmo que faça doer
Sigo

Não estou nas palavras que digo
Não sou os versos que escrevo
Não sou o meu canto
Mas estou cantar ao cantar
Deus mendigo

Agora sei
Eu não sei
Eu não sou
Simplesmente vou

sábado, 14 de novembro de 2009

Minha Fonte-Jazigo

A fonte me mostra agora
O doce olhar do seu remanso
Nos seus braços estendidos descanso 
Sua alma a minha revigora 

Despejo sobre ela meu canto 
Encho o peito e inflado suspiro 
E se palavras de amor sugiro 
Ela transforma dor em acalanto 

Transformado em senhor e escravo 
Desmancho-me na brisa calma 
E se ela acende minha alma 
Minha pele em seus prantos lavo 

Suave jardim frio e sombrio 
Com todas as cores ao vento 
Vibrante em seu desalento 
Não se me dá calafrio 

Não me deixa arredio partir 
Não me quer longe, não me quer distante 
E me atrai e aprisiona a cada instante 
Mas eu também já não quero ir 

Meu amor e meu ódio são seus 
Minha vida assim tem sentido 
Acabaram os caminhos e não estou perdido 
Sua língua e seus lábios são meus

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Discurso cínico-dadaísta sobre a hermenêutica do neoconceito suprassumido!

Nos liames do esquecimento encontram-se os ditames do padecimento. Obviamente o esquecimento é uma artifício deveras interessante e eficaz para certas agruras da nefanda humana\idade, como se nos observa incisivamente o martelador alemão. Mas, a despeito de tão sagaz elucubração dionisíaco-apolínea, a nominada percepção individual e universal discursada sobre as coisas, a vida, as pessoas etc atentam para o inverossímil superrelativismo do que pode ser uma harmoniosa contradição. A insistência na manutenção exacerbada de certas imagens impele a uma inobservância das práticas consideradas de boa socialização intrafamiliar. Devaneidades insculpidas nos lúgubres acentos esquizofrênicos do dualismo maniqueísta, que afeta os cérebros álgidos das religiões ocidentais, que apontam o que "é" e o que "não é" tão arrogantemente quanto assaz longe da propalada humildade. Loquaz se faz o meta-discurso de acinte ao intolerável pelos inaceitantes espiritualizados de nível cinco. Felizes alguns acoimes interpostos quando se de\aclama um cartesianismo ferrenho e tristonho. Mas se esquecem mal. Pois que Apolo não nega Dionísio! E como perguntar a Dozgchen onde está seu fundamento, se o que há é sunyata ou kenon? Virulência continua sendo a marca dos tenazes pregadores. Diametralmente do outro lado, digo-me que não sei o que não é, na medida em que não posso saber o que é, recolhendo-me à minha insignificância. Se falo mesmo na insignificância, é porque também a insignificância é vazia e, de alguma forma, não sou insignificante. Frívolas ofensas espirituais são ridículas. Como bem poderia dizer o demolidor de morais: abomino! Solta, pois, teus cães famintos de latir. Em mim não econtrarão alimento. Se sou Logos, em que parte do meu corpo ele está? Soa, soa o sino da capela da matriz. Ecoa o bramido choroso do penitente. Exprobreis os seres indigestos que não se alinham à tua matiz eunuca, caduca e decrépita, rumo ao mais baixo calão da desmesurada indigna\idade sobre insígne desequilíbrio metafórico-causal. Apressa-te com tua caritas porque é tempo. É hora. A tempestade se anuncia. É chegado o Após Calypso!!!

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Uma Noite Comum

A noite desce sobre a avenida
Agora vêm as luzes da cidade
O céu fica esquecido agora
Eu vejo os carros passando
As nuvens passam sem se perceber
A chuva chega sem surpresa
Crianças brincam na calçada
Brilham agora os guarda-chuvas
Pára a chuva e tudo bem
Tudo vem como tinha de ser

Uma noite comum no meio da noite
Uma noite igual, uma noite qualquer

Restam poucas luzes acesas
Restam poucas almas na rua
Agora as estrelas são percebidas
Vem lentamente a madrugada
Eu vejo a estrela que cai
Eu vejo o orvalho surgir
A cidade ainda está sonhando
E eu estou andando aqui
A noite vai chegando ao fim
E tudo vem como tinha de ser

Uma noite comum no meio da noite
Uma noite igual, uma noite qualquer

Ando sem saber aonde vou chegar
Ando sem saber quando vou parar

A madrugada está indo embora
Tudo vem como tinha de ser
Uma alma comum no meio do mundo
Uma vida igual, uma vida qualquer
(idos de 1992)